Páginas

2 de março de 2011

Mercearia XII - O brilho da pérola

Ao fim de algumas visitas, começo a não conseguir resistir à formulação de teorias. E é por isso que estou hoje em condições de afirmar que há uma trilogia que serve como indicador fiável (e cumulativo) do interesse histórico/fotográfico das mercearias, a saber:
1º O nome do estabelecimento ter "Pérola"
2º A "Pérola" estar conjugada com o nome de um santo.
3º O nome do santo corresponder ao nome da Freguesia.

Esta teoria ganha o contorno de Decreto-Lei depois da minha visita à "Pérola de São Mamede". Para além da simpatia dos donos tive o prazer  de assistir a uma verdadeira aula de história. Este espaço, com mais 100 anos, assistiu às grandes movimentações e obras de Lisboa. Ganhou eléctrico, perdeu eléctrico, mas nunca perdeu o seu ar original, disponível e muito bem preservado. Mais do que um fragmento envelhecido que foge do tempo, é um pedaço de história que se tem sabido conservar.

Nesta pérola, aprendi ainda a razão da existência das prateleiras de mármore nas mercearias (imposição de um Presidente da Câmara nos anos 50). E é por isso que agora, em qualquer mercearia que visite, será impossível não recordar esta pérola.

Rua Nova de São Mamede 19A




21 de fevereiro de 2011

Mercearia XI - Vida no "planalto" de Alvalade (3)

Contornando a esquina, e entrando na Avenida da Igreja, encontrei um novo local de interesse. Embora o interior desta mercearia, também com cerca de 50 anos, tenha sido completamente renovado, a verdade é que continua a ter algo de diferente.

Ao fim de 3 mercearias visitadas em Alvalade, importa salientar a importância desta zona permanecer verdadeiramente activa. Ao contrário de outras zonas de Lisboa, aqui, quem se sentar nos bancos, por exemplo, na Avenida da Igreja, pode ver miúdos e graúdos a sair de suas casas, a fazer uma primeira paragem na casa de frangos, uma segunda na mercearia, e uma terceira na farmácia, antes de desaparecem do alcance ou de entrarem em transportes públicos (que por aqui também não faltam). Pode parecer um pequeno pormenor, mas faz toda a diferença e mantém viva e bonita esta zona de Lisboa. Tudo funciona numa harmonia perfeita para a qual o próprio Mcdonald's dá o seu contributo, com uma movimentação que injecta vida e calor humano nos negócios contíguos.

E é neste ambiente, de algo que foi grandioso, que soube reinventar-se, e continua a sê-lo, que surge esta mercearia. Típica na sua modernidade reinventada, numa zona que se recusa a envelhecer.

Avenida da Igreja 8A




18 de fevereiro de 2011

Mercearia X - Vida no "planalto" de Alvalade (2) - Não há fome que não dê em fartura

Ainda no planalto de Alvalade, não tive de andar muitos metros para chegar à mercearia seguinte. Posso mesmo dizer que não necessitei de andar muitos decímetros (unidade de medida tão desprezada). Por incrível que pareça, esta mercearia encontra-se no número seguinte na mesma rua.

Imbuído por este espírito de economia de passos, desloquei-me ao seu interior para encontrar um espaço completamente distinto do primeiro. Bastante menos largo, mas completamente atestado de artigos, até ao tecto.

Apesar da concorrência, esta mercearia, também perto dos 50 anos, parece ter clientes suficientes para justificar tamanha proximidade.

A dona deste espaço, com uma inegável simpatia e curiosidade pediu-me apenas que não a fotografasse. Assim o fiz, mas "vinguei-me" na fruta.

Rua Luís Augusto Palmeirim 1E




15 de fevereiro de 2011

Mercearia IX - Vida no "planalto" de Alvalade (1)

Se é verdade que Lisboa é a cidade das colinas, não é menos verdade que também existem vários bairros desta cidade onde podemos deixar um saco de laranjas cair ao chão sem que estas percorram quilómetros em direcção ao rio. Um destes locais, maus para laranjas com síndrome viajante/navegador, é Alvalade.

Esta zona, para além de ser bastante bonita e gozar de uma aparente limpeza pouco vista noutros locais, tem também uma vida muito activa e característica. As ruas estão cheias de pessoas que inundam as lojas que inundam, novamente, as ruas. Existem inúmeros negócios, muitos até mais renovados do que esperava, para todos os gostos e feitios. Desde casas de chá, a restaurantes (tradicionais, nipónicos, nepaleses…), mercearias, casas de restauro de móveis... colocando de lado qualquer vontade de ir até a um centro comercial por falta de oferta do comércio local. E por enquanto estou só a falar da Avenida da Igreja e de duas das suas paralelas.

Foi envolto neste ambiente, totalmente anti-crise, que encontrei uma das maiores mercearias onde já entrei. Para além de ocupar dois números, prolongava-se numa imensidão de metros quadrados, rematados com diversos pilaretes. Os donos, de grande simpatia, estiveram sempre a atender clientes, novos e habituais, que por ali se foram abastecendo. Embora este fluxo não me tenha permitido falar tanto com os donos, a verdade é que me deu algum conforto sentir que estava num sítio que amanhã, depois de amanhã ou daqui a mais 52 anos ainda por cá estará.

Rua Luís Augusto Palmeirim 1B/C






10 de fevereiro de 2011

Mercearia VIII - Ao longo da Penha (3)

Insistindo no serpentear da colina da Penha de França, deparei-me com mais um espaço que não dava para ignorar. Todos as pistas gritavam bem alto "Sou o teu tipo de mercearia". A carrinha antiga, de cor bege, com vários produtos, o porta-bagagens com cordas verdes e vermelhas a tombar do interior, vários caixotes vazios empilhados a um canto e um senhor, de ar simpático e bem disposto, com as mãos cruzadas sobre a barriga numa performance de convite irrecusável.

Bem mandado, lá fui eu e acabei por passar bastante tempo à conversa. Esta mercearia, porventura uma das mais pequenas onde já entrei, encontra-se numa esquina a meio de uma rua que, embora íngreme, apresenta uma grande movimentação de pessoas e veículos. Enquanto lá estive cruzei-me com diversos clientes, de diversas faixas etárias e até pais e mães com filhos pequenos. Creio que desde o início destas caminhadas foi a primeira vez que vi pessoas com menos de 15 anos nestes espaços.

Embora o movimento já não seja o de antigamente, fui informado de uma iniciativa da Junta de Freguesia da Penha de França, para promover o comércio local e apoiar as famílias carenciadas, neste último Natal, que me pareceu um indicador positivo no combate ao esquecimento desta zona.

Aqui há vida!

Rua Mestre António Martins 7




5 de fevereiro de 2011

Mercearia VII - O segredo da cidade

Existe um segredo em Lisboa. Todos os que por cá vivem conhecem-no implicitamente; os que cá não vivem, também o conhecem, até porque muitas vezes é a primeira coisa que a cidade dá a conhecer. "Sou uma cidade com colinas".

É certo que agora mereço ouvir um sonoro "que novidade!". Mas o que significa na verdade ser uma cidade com colinas?

Significa que existem várias porções da cidade, que em muito poucos metros apresentam morfologias muito distintas. E diferentes morfologias, criam ruas únicas, atípicas e até contrastantes (mesmo quando distam poucos metros). O facto de ser uma cidade com colinas significa ainda que é muito fácil passarmos sempre pelos mesmos caminhos sem fazer grandes experiências (a lei do menor esforço entra compreensivelmente em acção). Se existem 3 caminhos e dois deles desafiam o limiar da aderência das solas de borracha, nem falemos dos saltos, e com uma calçada mais polida do que um ringue de gelo, é óbvio que em 99% das vezes vamos seguir pelo terceiro caminho. Mas é justamente essa característica que faz com que seja possível, numa cidade de modestas dimensões, existir sempre uma surpresa, um metro de rua por onde não andámos, uma pedra da calçada onde nunca tropeçámos, um portão, um ferro ou um prédio que nos fascina e apaixona.

Esta mercearia pertence a uma rua que para mim encarna perfeitamente este exemplo. No seu interior encontrei três pessoas: o dono, com a sua bata azul, a dona e um cliente habitual. Todos se dispuseram a ser fotografados, contaram histórias e até sugeriram outros locais de interesse. É caso para dizer que nesta rua a simpatia é como as cebolas. Está à vista de todos!

Rua Capitão Renato Baptista 29C




2 de fevereiro de 2011

Mercearia VI - Ao longo da Penha (2)

Continuando pelas ruas íngremes desta colina, supostamente a mais alta de Lisboa, descobri mais um espaço que me fez entrar. Desta vez foi o chão que me chamou à atenção como se me dissesse, com um olhar guloso, "Pst, olha lá, então não era a mim que me querias?" E era mesmo!

Após uma interessante conversa com o dono fiquei a saber que este espaço existe como seu há mais de 20 anos mas que já antes disso funcionara como mercearia. Relatou-me também a sua aventura por terras de Vera Cruz, com um sotaque que a espaços nos confirma isso mesmo, onde viu muitas mercearias e supermercados a fechar em alturas menos boas.

Para já espera que a situação financeira por cá melhore para que possa manter este espaço onde, com simpatia, tem sempre dois dedos de conversa para partilhar com os seus fregueses.

Rua da Penha de França 220B







30 de janeiro de 2011

Mercearia V - Ao longo da Penha (1)

Depois de constatar a velocidade a que algumas mercearias estão a fechar, percebi que tenho de acelerar um pouco o passo e traçar um plano para fotografar todas aquelas que conheço, e que permanecem abertas.

Sabia que a Penha de França não me ia desiludir e não me enganei. Das várias mercearias que se podem encontrar nesta freguesia, algumas já descaracterizadas, uma surpreendeu-me pela idade, aspecto e resistência. Foi no número 59 da Martins Sarmento, numa esquina, que descobri uma mercearia centenária com móveis, chão e paredes que o comprovam. Uma verdadeira jóia, bem camuflada, que resiste ao passar do tempo com a enorme simpatia de quem dela toma conta.

Rua Martins Sarmento 59





26 de janeiro de 2011

Mercearia IV - Passeio pelo Bairro Lopes (1)

Perto do cemitério do Alto de São João, e delimitado em grande parte pela Avenida Afonso III, esconde-se um bairro típico cuja construção data de 1930. As ruas geométricas e os prédios semelhantes (mas sempre com pequenas diferenças) do Bairro Lopes denunciam o seu carácter originalmente operário e pejado de pequenos negócios e estabelecimentos cuja entrada obrigava à descida um ou outro degrau. Embora este bairro se adivinhasse como um local privilegiado para o meu motivo fotográfico, a verdade é que, embora alguns dos negócios permaneçam fiéis à sua origem, e com a simpatia inequívoca dos seus donos (como o Sr. Viriato - na foto em baixo) a maioria está já fechada reflectindo um abandono desta área por parte de muitos dos seus moradores.

Rua Sousa Viterbo 35




23 de janeiro de 2011

Mercearia III - Surpresa ao entardecer

Foi já ao anoitecer, e de máquina arrumada, que me deparei com esta mercearia. Passei por ela rapidamente e só 2 a 3 sinapses depois me apercebi do seu potencial. Foi nessa altura que, qual desenho animado, coloquei a cabeça encostada à entrada, a meia altura, e analisei bem o interior. Lá dentro reinava a calma e felicidade vegetal. O dono desta mercearia perto da Praça Paiva Couceiro, acolheu-me com simpatia e explicou-me que já por lá andava há mais de 30 anos e que antes disso o espaço já lá existira por outros 30.

Os elementos que mais me agradaram nesta mercearia foram a sua ligação com uma segunda mercearia, esta sem verduras, e as prateleiras em pedra que remetem imediatamente para uma outra época.

Apesar da proximidade a uma artéria tão movimentada da cidade, a pacatez e o bairrismo desta mercearia fazem-se notar à distância. Quem lá vai é conhecido e não dispensa entre 2 a 9 dedos de conversa.

Rua Sebastião Saraiva Lima 77-81



21 de janeiro de 2011

Mercearia II - rodeada por gigantes em mau estado

Animado pelo início da compilação lancei-me novamente à aventura. Concentrei a minha atenção na zona da Graça, Castelo e Mouraria e foi justamente neste último bairro que o clique voltou a dar-se.
Rodeada por prédios decadentemente imponentes (algo infelizmente demasiado comum nesta zona) esconde-se esta mercearia. Foi a sua proprietária que me informou do contínuo êxodo de moradores, devido exclusivamente ao deterioramento das habitações, e do consequente impacto no comércio.
Esta mercearia, que antes de ser propriedade dos actuais donos era um "lugar" com galinhas vivas e alguns legumes (há pouco mais de 30 anos), possui ainda o chão com um padrão típico, um tecto trabalhado e um sapato de criança atado à entrada. Por lá andava perdido quando os actuais proprietários chegaram e por lá permanecerá, como testemunho de tudo o que passa.

Rua das Olarias 6







19 de janeiro de 2011

Mercearia I - Tubo de ensaio

Após algumas horas encontrei exactamente aquilo que procurava: uma típica mercearia de Lisboa com tudo o que constitui o seu/meu imaginário de mercearia. As fotografias que publico são resultado desta primeira experiência e da minha adaptação às condições destes espaços.
A visita a este estabelecimento comercial centenário, numa rua em que abundam frutarias e outras mercearias de aspecto mais contemporâneo, obrigou-me a rever uma boa parte das minhas teorias e das abordagens técnicas que levava na algibeira. Espero agora evoluir ao longo das próximas visitas e conseguir resultados progressivamente mais satisfatórios.

Rua de S. José 172-174




18 de janeiro de 2011

O início

Nasce hoje mais um blogue com um objectivo muito próprio; a descoberta e partilha de parte da identidade de Lisboa que se encontra dispersa por inúmeros estabelecimentos comerciais. Optei por dedicar-me aos mais antigos e caricatos, não por nostalgia, descontentamento ou crítica, mas como registo do que existe e que à luz de tamanho contraste com o presente se torna ainda mais belo.

Irei documentar essencialmente mercearias mas garanto desde já que a minha objectiva irá resvalar, não poucas vezes, para outros espaços que chamem por mim.

O meu compromisso: Afinco, muito quilómetros e actualização semanal.

Espero que gostem!